Águas de março

As cataratas do iguaçu eram magníficas. Especialmente se vistas de dentro de casa. Casa bela, amarelinha, um galo no telhado, uma trepadeira na parede de trás. A visão daquele tanto de água o fez sentir um calorzinho na virilha, precisava ir ao banheiro. O calorzinho aumentava, mas pôde perceber a tempo que tudo não passava de um sonho.

Ainda bem que acordara. Bexiga em chamas. A esposa se mexeu do seu lado e o abraçou. Ele lentamente retirou o braço dela, para poder sair. Agradeceu aos céus ter podido acordar antes da tragédia. Levantou-se vagarosamente e vestiu uma pantufa, a outra se perdera por baixo da cama e teria que se contorcer de qualquer forma para poder alcançá-la, resmungou uma ou duas vogais, comprara aquele esfregão noturno pra não precisar se encontrar com o chão frio quando acordava, mas sempre sua esposa chutava o calçado pra baixo da cama.

O movimento abdominal fez sua bexiga arder de dor. Calçou e desceu. Mas não deu pra descer correndo, o movimento só acentuaria a pressão interna. O caminhar era desajeitado, um joelho quase colado ao outro. E aquela casa enorme, apenas dois banheiros, uma casa antiga e mal planejada. Não deveria reclamar, era herança do seu amado avô, que deus o tenha.

Não demorou para chegar ao banheiro, no sentido literal do tempo, mas a sensação era de que anos haviam se passado. Chegou à porta, girou a maçaneta. Trancada. Um calafrio lhe percorreu a espinha. Não tinha filhos, morava só com a mulher. Esse era o motivo de nunca ter construído outro banheiro naquele mausoléu. Quem, diabos, teria trancado a porta?

Não era momento de questionamentos filosóficos, precisava ir à rua. Dessa vez correu, não havia mais tempo. Qual foi seu desespero ao não ver a chave da porta da casa no trinco! Não tinha tempo para procurar, sentia a barriga inchando, sentia que ia explodir. A dor na virilha atordoava. Foi à cozinha, a porta que dava para o quintal também fechada. Viu a pia, abarrotava de pratos do jantar, de outra forma até poderia fazer ali mesmo, mas nunca que urinaria sobre seu próprio prato.

Tinha uma planta na sala, foi até lá só para descobrir que sua mulher a tirara de lá, voltou à cozinha para procurar alguma bacia, teria que ser daquela forma. Mas todos os utensílios tinha misteriosamente sumido das gavetas e armários. Não tinha tempo para refletir os mistérios que o rondava. Teve tempo só para subir as escadas e achar uma janela aberta. Ah, janela salvadora! E dava direto na piscina dos Narciso, a família vizinha de chatos irrecuperáveis, que no mês passado tinha deixado o cachorro trancado pro lado de fora, o cachorro tinha destruído os sacos de lixo antes de o caminhão passar, sujando toda sua calçada. Era hora da vingança, iria urinar na piscina deles. Era o ângulo perfeito.

Ah! Sensação dos deuses, liberar a bexiga depois de tanto tempo apertado.

Um calor úmido então tomou conta de sua cama. Pouco a pouco abria os olhos, sua esposa se debatia assustada ao seu lado.

– Mas o que você fez aqui, João?

aguas

 

lucastamoios

 

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