Instante

Um dar de pestana simplérrimo, leve tremor de pálpebras que propaga pelo espaço, numa trajetória retilínea, porém caótica, acertando o alvo não como pluma que é, mas como flecha que deveria ser. E a dona dos olhos de cá, quem venho contar esse episódio, esfacela-se com o ocorrido, dá doses altas de adrenalina ao músculo cardíaco que, mais por hábito que por força, bombeia sangue às faces, corando-as.

A mão que vai ao cabelo é, também por hábito, uma resposta àquelas circunstâncias. Circunstância circuspecta, tensa, taciturna; de réplica elaborada e de olhares treinados mil vezes em outros olhares mais fracos. Olhos nos olhos, outra vez, desvio para o lado, dar de ombros leve e desinteressado. É moça nova, cheia de admiradores. Que é de mais um, jovem como todos os outros; bonito como todos os outros?

Mas ele não. Ele não olha de novo, e nem de novo, e nem mais. Será assim sua beleza, oh moça, não sufuciente ao mancebo? Não será capaz de lhe chamar a atenção? Ou será que já não é mais tão bela quanto antes, ou perderas a capacidade de sedução… Nem pensar! Ainda ontem prostrara um outro apenas de lhe virar a face. Que tinha então, seu Admirado, que lhe fosse demais? Seria ele comprometido, um daqueles raros espécimes que rejeita o cortejar de uma que não a sua? Ou talvez simplesmente não gostasse de flores, daquelas que não dão em arbustos… Não. Era a segunda vez que o vira ali, e outrora era com uma belíssima, não foi assim, moça? Eu vi que da outra vez teus olhos marejaram de inveja, vi sim! Mas agora ele está só, ou talvez não. Quer companhia mais forte que aquela que persiste mesmo à distância?

Ele olha enfim, mira nos olhos e demora. Dessa vez não é mais um relance, ele fixa seus olhos e conta-se três segundos então. É quase um amplexo enamorado; entrar na alma e sair com o metaforizado coração, ou talvez com o próprio, em sentido conotativo. É assim que lhe são os três segundos. E findos esses, qual decepção, minha senhorita, que do aceno que não fosse pra ti ergueste a mão- em resposta oníricamente real- e então percebes a outra, a da semana passada, do mês passado, tanto faz? Percebes ela. E pra ti é como levar embora esse teu braço levantado em aceno, esse pedaço amputado, com o outro pedaço de ti, já cativado por um olhar, um dúbio olhar. “Oh metade afastada de mim, leva meu olhar”, mas o tormento não é a saudade do Chico Buarque, o tormento é o amor de pestanejar. O amor que dura quinze segundos e vai embora, e que o sofrimento também não dura mais de outros quinze segundos, e talvez valha uma lembrança no dia seguinte. Nada mais.

 

lucastamoios

 

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